BALADA DO LOUCO

This is the strangest life I have ever known.

domingo, maio 08, 2005

Cutucando pivete com vara curta

Oriovaldo era de lascar o cano como se diz aqui pela região do Vale do Paraíba. Com sete anos mudou-se com a família toda que morava na baixada fluminense e fixou barraco na cidade de Pindamonhangaba,interior de São Paulo. O pai fora contratado pela Aços Villares, como peão de obra.

Logo nos primeiros dias na escola primaria já demonstrava a que veio. Irrequieto, arteiro, boca suja, ou melhor, imunda mesmo. Era expert na arte dos palavrões num sotaque carioca exagerado. Um dia apareceu com a boca vermelha e inchada, como se tivesse sido maquiado para virar palhaço. A mãe tinha esfregado com gosto pimenta malagueta numa tentativa inútil de amenizar a carreata de obscenidades. Chegou depois, na santa ignorância, a passar, água sanitária. Bobagem. seu repertório lingüístico era mesmo esse e já estava solidificado.

Não aceitava desaforo de ninguém, nem as "otoridades escolares". Ele perdoava, aprontava de tudo e mais um pouco, coisas inimagináveis mesmo: percevejos com a ponta virada pra cima na cadeira da professora, variava também grudando chiclete mascado; tirando o miolo de canetas bic, enchia com bolinhas de papel salivadas e metralhava a bunda da professora que estava de costas para a turma, só pra fazer arruaça. Numa festa em homenagem aos professores substituiu um porta-retrato feito com palitos de sorvete por um sapo asqueroso, o que lhe rendeu cinco dias de suspensão e afastou a professora premiada por alguns dias para se refazer do trauma causado. Mas o pivetinho, o danado, era inteligente, não repetia de ano, nemficava de recuperação, pra desespero dos professores ultrajados. A explicação talvez esteja no fato de que alunos vomitam aulas medíocres e enfadonhas em forma de indisciplina, tal qual quando se come algo estragado e indigesto.

De lascar o cano também era Dona Edileuza, professora já meio passada, muitos anos de magistério, ruiva com uns cabelos lisos, emplastados, grudados na cabeça... Cabelos que a vaca lambeu, falavam as más línguas. Usava um batom vermelho e abusava tanto a ponto de tingir o dentes da frente. Encalorada, arfava o tempo todo, suava, melhor dizendo, destilava, parecendo estar sempre em uma sauna tailandesa. Sofria de pressão alta, era obesa e roliça... Não desgrudava jamais de uma régua imensa presa às axilas, com a visível intenção de intimidar alunos e afins, já que não precisava daquilo: não eranem professora de geometria nem de desenho. Tida e havida como professora enérgica, não se ouvia nem mosca nas suas aulas e disto ela se gabava.

- Comigo ninguém conta farinha, mais respeito e "menas" (sic) confiança, falava aos quatro cantos.

Qualquer senão e régua entrava em ação provocando um verdadeiro estampido ensurdecedor, tamanha a força usada ao bater nas carteiras. Ela também não era fácil não.

A fama dos dois corria solta pelos corredores da escola. De um lado o pivete indolente, o próprio capeta encarnado, ede outro a déspota hitleriana. Muitos torciam para que se cruzassem, se encarassem num duelo, num tête-à-tête definitivo.

Não deu outra. Oriovaldo chegou à quarta série e a classe estava atribuída para Dona Edileuza, e o encontro tão esperado por ambos aconteceria.

Logo nos primeiros minutos da aula o pivete escondeu um estojo do colega atrás da lixeira já de caso pensado.

Dona Edileuza, ansiosa, com ira acumulada e cultivada por longos quatro anos, com a régua em riste, mais vermelha do que de costume aproximou-se.

- Escuta aqui, seu pivete mal educado. Eu não sou aquelas professoras pamonhas, bananas, sangue de barata que você teve até agora, viu!!! Por acaso o Sr. sabe com quem está falando?

- É com a Dona Edileuza.

Oriovaldo, com olhar indolente por debaixo do boné, numa voz pausada e sotaque carioca acentuado:

- GRANDE BOXXXXTA!!!

Sônia Terclavers

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Amiga.. Excelente narrativa!!! Sempre esmerada, fechou com uma das frases q. eu mais aprecio. No entanto, anteriormente, utilizou-se de outra q. eu acho um verdadeiro "escandalo": "Vc sabe com quem está falando?"...
Ah.. se eu estivesse no lugar do menino diria: "Sei não Fessora"!!!rs*.. bjs e carinhos de Amizade e continue no ritm, otimo por sinal!!!

10 de julho de 2005 às 20:40  

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