Rock na periferia
Viver na periferia de São Paulo, por incrível que pareça, é como estar na idade média. Não fosse o plim plim da TV que ecoa de algumas janelas de vez em quando e os ringtones de péssimo gosto dos celulares pré-pagos que estão em cada canto, poderia muito bem ser 1200 d.c. ou qualquer data próxima. Nem é só pelo olho-por-olho-dente-por-dente que impera, mas principalmente pela mentalidade tacanha das pessoas. As igrejas ditam comportamentos e cobram as indulgências, e ai de quem não pagar ou andar na linha, porque o inferno está logo ali.
Um dos maiores pecados por aqui sempre foi gostar de rock’n roll. Lembro de momentos e diálogos impagáveis. Quando começava o culto na rua de trás e o pastor começava a pedir 10,00 para quem quisesse garantir um lugar no céu eu colocava as caixas do meu "3 em 1" na varanda e ligava Black Sabbath no último volume. Tornei-me querido e popular por atitudes assim, e não foram poucos os diálogos como este:
-- Vovó disse que você vai para o inferno porque ouve essas músicas!
-- Olha, se no inferno eu ficar livre de ver sua avó e ainda tiver boa música, não vejo a hora.
-- Mas ela disse que quem ouve isso fica louco!
-- (gargalhadas)
Tempos depois um dos garotos do bairro começou a sair com a minha turma. E não é que ele nem tinha comprado ainda a primeira camiseta do Iron Maiden e já estava andando na rua dando tapas na própria cabeça, correndo em círculos e gritando com pessoas invisíveis? Se me lembro bem ele esperava as senhoras saírem da igreja para correr atrás delas. O cara ficava horas sentado no sofá da minha sala olhando para a parede sem dizer nada ou se mover, e eu pensando que só podia ser praga da avó da garotinha.
Pelo que sei, ele está completamente curado hoje –- seja lá o que isso signifique –- e a música não teve nada com a doença dele, ao menos eu espero que não. Mas não me sai da lembrança um dia em que eu voltava da escola de ônibus e, quando passei a catraca, ouvi duas pessoas desconhecidas comentarem: olha ai, este é o rapaz que deixou fulano doido! Até hoje eu prefiro o inferno a toda esta “sanidade” que me cerca.
Marcos Donizetti
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