Trilogia da Sandice Geracional Alheia Observada
Calhou da Verinha ser adolescente nos anos 60.
O apelido hoje é "Tamanduá"; ela sempre vai no montinho quando a cocaína é dividida. Põe a culpa nos óculos, cerca de 10 graus! "Não enxergo direito!" -- e vai no montinho!
Ótima cozinheira, vive de preparar salgados para bares e acaba sempre filando uma cerva. Trabalha durante o dia, sai distribuindo os petiscos e encontra, no início da noite, já meio trançada, os amigos do mal. E vai noite adentro.
A última vez que a encontrei foi numa danceteria. Estava no balcão, encostado, tomando uma, chega a Vera, um metro e meio de altura, olhos esbugalhados:
-- Você viu?
-- O quê, Verinha?
-- Uma nave espacial! Ela entrou aqui, soltou um raio, paralisou todo mundo! Era desse tamanho -- abriu os braços, mais ou menos um metro de comprimento.
-- Nossa!
-- Aí eu ouvi uma gargalhada, eles foram embora e tudo voltou ao normal!
Nos anos 70 acontecia, anualmente, um show de rock numa praça perto de casa. A figura marcante era o Berto -- ninguém sabia o nome dele. Era um louco do bairro, calmo, difícil vê-lo pela rua... Mas quando tinha o show ele se instalava lá na frente do palco e ficava dançando como um louco. Fazia um gesto constante: colocava os braços para trás, erguia a cabeça (era alto), inflava as narinas e aspirava. Buscava a brisa da ganja.
No final do show ficava impossível, dançando como um louco (que era).
Não sei de quem foi a idéia, deram para ele de presente um walkman com uma fitinha de rock. Não sei o que tinha nela, uns diziam que era Uriah Heep, outros que era Ten Years After.
Desde então ele passou a andar rápido pelas ruas, fone nos ouvidos. Parava de repente, botava-se em posição, e aspirava. No final do dia estava praticamente a correr pelas ruas do bairro -- e ai de quem ficasse em sua frente. Morreu atropelado.
Ela deu azar de ser adolescente nos 80. Andava com o "Head on the Door" debaixo do braço. Foi gótica e punk. Vestia-se de preto. Num momento enfiou um afinete no nariz. Noutro raspou as sobrancelhas. Bebia tudo o que lhe caísse à frente. E não rejeitava qualquer droga.
Quando percebeu, tinha passado dos 25 anos. Ainda era bonita, mas o corpo estava gasto. Queria um namorado, uma estabilidade e filhos. Não achava um pretendente. Achou.
Ele tentou enquadrar ela -- mas ela tinha problemas com autoridade. Tiveram várias brigas e dizem que ele batia muito nela. Na cabeça, pra não deixar marca.
Quando viu que seria difícil, deu um chute nela. Sem amor, quer da família, quer de quem seja, vivenum quartinho fedido com um monte de cães e gatos. Eu a conheço e a visito sempre. É uma das pessoas mais inteligentes que conheço.
Luiz Biajoni
4 Comments:
Doidos como a Verinha, esse mundo tá cheio. Acho que o Berto era doidão porque respirava música. Uriah Heep e Ten Years After (além de Slade, Bad Company, Emerson, Lake & Palmer...) têm o som de parte da minha adolescência. Felizmente cresci antes da era punk.
Ciao.
Fiquei pensando aqui: o que será que sentia esse sujeito quando pirava o cabeção durante um show? Eu queria saber o que um louco sente, desde que depois pudesse voltar ao normal. Alguém pode dizer: "apela prum ácido que você sente". Mas sei lá. A loucura de cara limpa deve ser diferente.
Adorei seu texto, Bia.
Beijo,
Mônica.
Ah, esqueci de dizer: que título genial! ;)
Um utazinho pra você,
Mônica.
Daqui a pouco, de tanta história de louco, não vai sobrar ninguém para contar, a não a própria história! Pois não dizem que de médico, poeta e louco, temos todos um pouco? Essas vinhetas acerca de "tipos muito loucos" estão ótimas, pois descrevem um punhado de gente que conhecemos: passavam por inteligentes, mais espertos, mais "ligados", alguns desprezavam a cultura "oficial" e... hoje estão pagando o preço de sua loucura. Tem gente que faz "tipo": o mundo artístico é cheio disso. No palco, aprontam, dizem frases de efeito. Todos são caretas, menos eles...
Postar um comentário
<< Home