BALADA DO LOUCO

This is the strangest life I have ever known.

domingo, fevereiro 20, 2005

Lendas bandeirantes

Em São Paulo, cidade grande, conheci alguns personagens lendários. Quem acha que metrópoles estão longe da capacidade de gerar lendas, não conhece São Paulo. Quanto maior a cidade, maior o número de lendas. Aumenta, também, a possibilidade de tais lendas terem uma projeção superlativa, como pede a própria geografia da cidade.

Durante todo o tempo em que vivi em Sampa (você é daqueles que se incomodam quando dizem Sampa? Eu também!), pude desfrutar de encontros ocasionais com o Coreano. Nós o chamávamos Coreano, mas na realidade ninguém sabia dizer se realmente fosse coreano, chinês ou japonês. Para nós, era o Coreano. Tinha o cabelo engomado, penteado e preso por grampos à nuca. Usava um terno preto surrado, não falava uma palavra em português, andava de bicicleta e mostrava um cartaz onde pedia dinheiro para voltar ao país dele. O problema é que o cartaz também estava escrito numa língua oriental. Como é que sabíamos que no cartaz estava escrito um pedido de dinheiro? Não sabíamos! Dávamos algum dinheiro e ele ia embora resmungando.

Havia um rapaz negro, uns vinte e cinco anos, roupas esfarrapadas mas espalhafatosas. Usava um capacete de operário e óculos escuros. Mas não trabalhava. Não podia trabalhar: passava o dia inteiro subindo e descendo a Rua Augusta em uma bicicleta, com um apito que ele não parava de assoprar. Se alguém atrapalhasse sua passagem, parava, gesticulava como um guarda de trânsito e apitava de modo ensurdecedor. Sumia em dias de chuva e no período do Natal, quando acarpetavam a Rua Augusta: carpete sujo de óleo escorrega mais que asfalto molhado. Maluco, não bobo.

Outra figura enigmática era a Mulher de Roxo. Não sei dizer se fosse doida ou não, mas era uma verdadeira lenda. Ninguém jamais a vira acordada. Ou, quem a viu, não a reconheceu. Podia ser vista dormindo sentada nos pontos de ônibus, com a cabeça apoiada nos próprios seios. Fartos seios. Usava roupas roxas e tinha sempre uma sacola em cada uma das mãos e não era vista de noite. Quando você for a Sampa, observe os pontos de ônibus. Ela ainda deve estar lá.

Em Assis, interior de São Paulo, existem algumas dessas lendas. Pra falar a verdade, Assis é a cidade com a maior concentração desse tipo de lenda que eu conheço. Deve ser a água. Tem uma doida de Assis que -- loucura das loucuras! -- casou-se comigo. Tranqüilo: também bebi daquela água. Voltando às lendas, em Assis tem o Milionário, um sujeito coberto de correntes e relógios de ouro, com chapéu e pinta de fazendeiro e que só conversa sobre seus investimentos de milhões de dólares -- "Que real é dinheiro de pobre!" Onde cair morto, tem. Não tem é onde viver.

Voltando para Sampa e, loucuras àparte, meu personagem preferido era o Jacaré. O mais simpático e conhecido integrante do Exército da Salvação, o carismático Jacaré rodava todos os bares da cidade angariando fundos para a instituição. Sentava, conversava, contava piadas e ria das nossas. Muitos dos mais importantes bares e restaurantes da cidade mantinham sua foto próximo à entrada, informando que aquela era sua área. Depois da sua morte, muitos restaurantes e bares mantiveram a foto. Jacaré faz parte da história contemporânea de Sampa, que ficou menos simpática desde que ele se foi.

Allan